Novos dados divulgados pelo FGV Social, centro de pesquisa da Fundação Getulio Vargas, indicam uma tendência positiva e significativa para a estrutura social brasileira: a desigualdade de renda está em queda. Em entrevista, o economista Marcelo Néri, coordenador do estudo, revelou que, no último ano, a renda das classes mais baixas cresceu em um ritmo muito superior ao dos mais ricos, sinalizando uma aproximação entre os extremos da pirâmide social.
Os Números da Mudança
A pesquisa, que utiliza como base a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) do IBGE, traz um retrato claro dessa dinâmica. Entre junho de 2024 e junho de 2025, a renda das classes mais baixas da população (segmentos B, C, D e E) registrou um crescimento expressivo de 9,8%. No mesmo período, o grupo do topo, a classe A, viu sua renda aumentar de forma muito mais tímida, apenas 2%.
A conclusão de Néri é direta: “Ou seja: a desigualdade está caindo. Caiu em 2024, está caindo em 2025. Essa é a mensagem dos dados”. Este movimento é impulsionado por dois fatores principais: o fortalecimento de programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, e, crucialmente, um mercado de trabalho mais aquecido, com uma notável queda na taxa de desemprego sendo um dos componentes mais importantes para o aumento da renda dos mais pobres.
Qualidade vs. Quantidade do Crescimento
Apesar do cenário otimista, uma análise mais aprofundada, baseada em outras declarações e trabalhos de Néri, levanta questões sobre a sustentabilidade dessa redução da desigualdade. O aquecimento do mercado de trabalho, embora benéfico, é parcialmente sustentado pelo aumento da informalidade e pelo crescimento de ocupações ligadas a aplicativos, um fenômeno que ele classifica como um desafio de “precarização”.
Isso cria uma tensão importante: o resultado positivo de curto prazo, a queda da desigualdade, pode estar sendo construído sobre uma base de empregos de menor qualidade, sem as garantias e a estabilidade do trabalho formal. A natureza do emprego que impulsiona essa tendência é, portanto, tão crucial quanto a própria tendência para avaliar a mobilidade social a longo prazo. A consolidação desses ganhos dependerá de políticas que não apenas gerem postos de trabalho, mas que também assegurem a qualidade e a proteção desses empregos.
Um Contraste com o Período da Pandemia
A tendência atual de redução da desigualdade representa uma reversão notável do que foi observado durante o auge da pandemia de Covid-19. Estudos anteriores do próprio FGV Social, que combinaram dados da PNAD com os do Imposto de Renda, mostraram que, em 2020, a desigualdade no Brasil registrou um leve aumento, contrariando as primeiras análises. Naquele período, o Auxílio Emergencial foi eficaz em proteger a renda dos mais pobres, mas a classe média, que não recebeu o auxílio e sofreu com a perda de empregos formais, foi a “grande perdedora”, sendo espremida entre os dois extremos.
O cenário atual é diferente. A recuperação é impulsionada não por uma política de transferência emergencial, mas por uma melhora mais ampla no mercado de trabalho. Esse contraste revela como diferentes condições econômicas e ferramentas de política pública afetam os diversos estratos sociais de maneiras distintas, oferecendo um quadro mais complexo e nuançado da persistente luta do Brasil contra a desigualdade.



