Uma nova e alarmante pesquisa publicada na revista científica Clinical Breast Cancer expõe uma profunda desigualdade no tratamento oncológico no Brasil. O estudo, que analisou dados de mais de 65 mil mulheres diagnosticadas com câncer de mama no estado de São Paulo entre 2000 e 2020, revelou uma diferença de 16 pontos percentuais na taxa de sobrevida a longo prazo entre pacientes tratadas no Sistema Único de Saúde (SUS) e aquelas atendidas na rede privada. O resultado lança luz sobre como o acesso e a qualidade do cuidado de saúde no país ainda são fortemente determinados pela condição socioeconômica.
Os Dados da Desigualdade
O fator mais crítico apontado pela pesquisa é a disparidade no momento do diagnóstico. O estudo mostra que as pacientes da rede privada têm uma probabilidade muito maior de descobrir a doença em seus estágios iniciais, quando as chances de cura são mais altas. Segundo os dados, 41,4% das mulheres no sistema privado foram diagnosticadas no estágio I da doença. No SUS, esse percentual cai para apenas 21,2%.
Em contrapartida, os diagnósticos em estágios avançados são drasticamente mais comuns no sistema público. Quase um terço das pacientes do SUS (29,5%) foram diagnosticadas já no estágio III, uma fase muito mais agressiva e de tratamento mais complexo. Esse número é significativamente maior do que o observado na rede privada, evidenciando uma falha sistêmica na detecção precoce para a população que depende do serviço público.
A Voz do Especialista
O radio-oncologista Gustavo Nader Marta, líder do estudo e presidente da Sociedade Brasileira de Radioterapia (SBRT), foi categórico em sua análise dos resultados. “O que nossos dados demonstram de forma inequívoca é que o local de tratamento ainda determina fortemente o prognóstico das pacientes”, afirmou. Ele atribui essa realidade a “desigualdades estruturais” que precisam ser enfrentadas com urgência pelas autoridades de saúde pública.
A conclusão do especialista reforça que a questão vai além da capacidade técnica dos hospitais. Trata-se de um problema sistêmico que envolve barreiras de acesso a exames, longas filas para consultas com especialistas e uma infraestrutura de prevenção que não consegue atender a demanda da população de forma eficaz e em tempo hábil.
Implicações para a Saúde Pública
Os achados do estudo representam um duro golpe no princípio da universalidade, um dos pilares fundamentais do SUS. Embora o sistema tenha sido concebido para garantir acesso igualitário à saúde para todos os cidadãos, a pesquisa demonstra que, na prática, existe um abismo na qualidade e, principalmente, na agilidade desse acesso. A diferença de 16 pontos na sobrevida não é apenas uma estatística; ela representa milhares de vidas que poderiam ser salvas com um diagnóstico mais rápido.
Essa realidade cria um sistema de saúde de duas camadas, onde a capacidade de pagar por um plano de saúde privado se torna um fator determinante para a sobrevivência em uma das doenças que mais afetam as mulheres no Brasil. A falha não está na existência do acesso universal, mas na eficácia das políticas de prevenção e diagnóstico precoce dentro do sistema público. A universalidade teórica se choca com uma realidade de profunda iniquidade, transformando o que deveria ser um direito em uma questão de privilégio.
Diante de evidências tão contundentes, a discussão transcende a esfera da saúde e se torna uma pauta de justiça social. É imperativo que políticas públicas sejam formuladas e implementadas para fortalecer a atenção primária, reduzir os tempos de espera para exames como a mamografia e garantir que todas as mulheres, independentemente de sua renda ou local de residência, tenham a mesma chance de lutar contra o câncer de mama.


